14 November 2010

Histórias do antigamente

Já lá vão 48 anos desde que comprei o meu primeiro maço de cigarros. Comecei com 12 anos e arranjei no tabaco um amigo sempre presente. Aquelas frias madrugadas em que esperava pela carreira para ir para a cidade, não havia nada como acender um cigarro. E quando nasceram os meus filhos, só os belos cigarros me acalmaram o nervosismo.
Agora os malditos puritanos não me deixam fumar onde quero. Obrigam-me a ir para a rua fumar porque dizem que faz mal à saúde. Tenho 60 anos e nunca tive problemas com o tabaco, mas já tive muitos com a bosta que os cães e os donos dos cães deixam pela rua e  nunca vi nenhum puritano proibi-los de passear aqueles cagões com quatro patas! Esses malditos puritanos deviam esfregar a cara nas minhas botas quando piso aquela merda e dizerem-me se não preferiam estar a levar com o meu fumo na cara! Mas pronto..um gajo tem que se aguentar. Fumo mais um e volto para o trabalho.
Agora há cada vez menos clientes..qualquer dia o patrão manda-me para o olho da rua. Se calhar dedico-me a arrumar carros como os animais dos drogados que andam espalhados pela cidade. De certeza que ganhava mais do que nesta mariquice de emprego.
Chego a casa e tenho que ouvir a minha mulher. O raio do miúdo tirou mais uma nega nos testes. Não sei a quem sai o fedelho tão burro. E pior..tem a mania que é esperto. Sacana do puto..15 anos e ainda está no 7º ano. Será assim tão difícil perceber que Portugal foi fundado em 1143? Quatro simples números e o burro do puto não decora? Mas não há nada a fazer..o puto é burro que nem uma porta. O que me vale é o António..19 anos e está no 2º ano de Engª Química. Este sim tenho a certeza que é meu filho. Tenho mesmo pena que não tenha vindo para ir comigo à caça.
4 da manhã..que sossego..fumo um cigarro..como qualquer coisa e meto-me no carro. A espingarda e os cartuchos já tinham sido metidos no carro no dia anterior. Sigo para o alentejo..espero que desta vez tenha mais sorte e apanhe uns poucos de coelhos. Vou a abrir..145 km/h..nestas estraditas secundárias não andam os chuis..andam pelas principais a tentar levar uns tostões a mais para casa. E o país cheio de marginais..a esses não fazem eles nada!
Olho para o cinzeiro e vejo que está cheio..abro o vidro e deito a cinza lá para fora..aquela gaita entra quase toda para o carro..atrapalho-me..perco controlo do carro..e o último pensamento..merda o tabaco mata mesmo.

Lívio Tavares

1 comment:

  1. Denoto um shift na temática subjacente aos posts!
    Belo conto! E com lição de moral no final!

    ReplyDelete