Estendeu-me a mão, olhei-a um bocado antes de lhe dar um aperto. Uma mão húmida e flácida foi o que senti..quase que jurava estar a sentir na minha mão toda a essência daquela personagem que me olhava com aquele ar cínico. Tentei sorrir de forma cordial, mas apenas me saiu um esgar de desprezo que até uma criança inocente notaria. Fingiu que nada se tinha passado e disse naquela voz arrastada "como vai essa vida caro amigo?". É incrível como hoje em dia se usa a palavra amigo de forma tão ligeira, a não ser que fosse uma daquelas ironias que as almas amarguradas espalham pelo mundo. "Vai bem e a sua?" respondi-lhe no tom o mais disfarçado possível pois tudo em mim implorava que da minha boca não saísse mais do que saliva. Nem sequer me respondeu.."faça o favor de se sentar" disse-me apontando-me uma simples cadeira de madeira enquanto se sentava num confortável cadeirão. Encostei as costas contra aquela cadeira onde já dezenass de desgraçados tinham sentido o que eu hoje sentia..a mais pura repugnância. "A empresa está a passar por dificuldades como já se deve ter apercebido" olhei-o e pensei porque não me dizia logo que estava despedido em vez de estar com este palavreado. A empresa não estava a passar por dificuldades, a única dificuldade era este individuo que tinha o dom de ser um zero nos negócios. "Já me apercebi Sr. doutor" disse eu entrando naquele jogo deprimente. "Infelizmente não temos condições para que o senhor continue a trabalhar aqui. Não tardará muito para que tenhamos que despedir todo o pessoal". Olhei para o pulso dele e vi um relógio da D&G, não custaria menos de 500 euros certamente, lá em baixo no lugar reservado à administração estava estacionado um mercedes classe E. "É a vida que podemos fazer? " respondi eu enquanto me levantava e me dirigia para a porta sem a noção do que iria passar nos próximos tempos. "Desejo-lhe tudo de bom meu amigo" parei..voltei-me para trás e fiz aquilo que cada átomo do meu corpo desejava. Que estranha vida..dois sentimentos antagónicos..a tristeza de quem perde o emprego e o gozo absoluto quando vi aquela cara enojada com a minha saliva a escorrer-lhe qual cascata do niagara. Fechei a porta e senti-me vivo como nunca.
17 November 2010
14 November 2010
Histórias do antigamente
Já lá vão 48 anos desde que comprei o meu primeiro maço de cigarros. Comecei com 12 anos e arranjei no tabaco um amigo sempre presente. Aquelas frias madrugadas em que esperava pela carreira para ir para a cidade, não havia nada como acender um cigarro. E quando nasceram os meus filhos, só os belos cigarros me acalmaram o nervosismo.
Agora os malditos puritanos não me deixam fumar onde quero. Obrigam-me a ir para a rua fumar porque dizem que faz mal à saúde. Tenho 60 anos e nunca tive problemas com o tabaco, mas já tive muitos com a bosta que os cães e os donos dos cães deixam pela rua e nunca vi nenhum puritano proibi-los de passear aqueles cagões com quatro patas! Esses malditos puritanos deviam esfregar a cara nas minhas botas quando piso aquela merda e dizerem-me se não preferiam estar a levar com o meu fumo na cara! Mas pronto..um gajo tem que se aguentar. Fumo mais um e volto para o trabalho.
Agora há cada vez menos clientes..qualquer dia o patrão manda-me para o olho da rua. Se calhar dedico-me a arrumar carros como os animais dos drogados que andam espalhados pela cidade. De certeza que ganhava mais do que nesta mariquice de emprego.
Chego a casa e tenho que ouvir a minha mulher. O raio do miúdo tirou mais uma nega nos testes. Não sei a quem sai o fedelho tão burro. E pior..tem a mania que é esperto. Sacana do puto..15 anos e ainda está no 7º ano. Será assim tão difícil perceber que Portugal foi fundado em 1143? Quatro simples números e o burro do puto não decora? Mas não há nada a fazer..o puto é burro que nem uma porta. O que me vale é o António..19 anos e está no 2º ano de Engª Química. Este sim tenho a certeza que é meu filho. Tenho mesmo pena que não tenha vindo para ir comigo à caça.
4 da manhã..que sossego..fumo um cigarro..como qualquer coisa e meto-me no carro. A espingarda e os cartuchos já tinham sido metidos no carro no dia anterior. Sigo para o alentejo..espero que desta vez tenha mais sorte e apanhe uns poucos de coelhos. Vou a abrir..145 km/h..nestas estraditas secundárias não andam os chuis..andam pelas principais a tentar levar uns tostões a mais para casa. E o país cheio de marginais..a esses não fazem eles nada!
Olho para o cinzeiro e vejo que está cheio..abro o vidro e deito a cinza lá para fora..aquela gaita entra quase toda para o carro..atrapalho-me..perco controlo do carro..e o último pensamento..merda o tabaco mata mesmo.
Lívio Tavares
Agora os malditos puritanos não me deixam fumar onde quero. Obrigam-me a ir para a rua fumar porque dizem que faz mal à saúde. Tenho 60 anos e nunca tive problemas com o tabaco, mas já tive muitos com a bosta que os cães e os donos dos cães deixam pela rua e nunca vi nenhum puritano proibi-los de passear aqueles cagões com quatro patas! Esses malditos puritanos deviam esfregar a cara nas minhas botas quando piso aquela merda e dizerem-me se não preferiam estar a levar com o meu fumo na cara! Mas pronto..um gajo tem que se aguentar. Fumo mais um e volto para o trabalho.
Agora há cada vez menos clientes..qualquer dia o patrão manda-me para o olho da rua. Se calhar dedico-me a arrumar carros como os animais dos drogados que andam espalhados pela cidade. De certeza que ganhava mais do que nesta mariquice de emprego.
Chego a casa e tenho que ouvir a minha mulher. O raio do miúdo tirou mais uma nega nos testes. Não sei a quem sai o fedelho tão burro. E pior..tem a mania que é esperto. Sacana do puto..15 anos e ainda está no 7º ano. Será assim tão difícil perceber que Portugal foi fundado em 1143? Quatro simples números e o burro do puto não decora? Mas não há nada a fazer..o puto é burro que nem uma porta. O que me vale é o António..19 anos e está no 2º ano de Engª Química. Este sim tenho a certeza que é meu filho. Tenho mesmo pena que não tenha vindo para ir comigo à caça.
4 da manhã..que sossego..fumo um cigarro..como qualquer coisa e meto-me no carro. A espingarda e os cartuchos já tinham sido metidos no carro no dia anterior. Sigo para o alentejo..espero que desta vez tenha mais sorte e apanhe uns poucos de coelhos. Vou a abrir..145 km/h..nestas estraditas secundárias não andam os chuis..andam pelas principais a tentar levar uns tostões a mais para casa. E o país cheio de marginais..a esses não fazem eles nada!
Olho para o cinzeiro e vejo que está cheio..abro o vidro e deito a cinza lá para fora..aquela gaita entra quase toda para o carro..atrapalho-me..perco controlo do carro..e o último pensamento..merda o tabaco mata mesmo.
Lívio Tavares
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