04 December 2010

Bloom


Bloom sempre fora um homem destemido. Quando o seu vizinho, o químico Joseph Schrafft, o convidou para testar a sua nova invenção, Bloom não hesitou. Tornou-se assim na primeira da pessoa da História a provar um rebuçado de sabor a limão feito apenas com cinco dos cento e vinte químicos que fazem parte do sumo do limão natural. Nem recusou o pedido de ser o piloto de testes do veículo movido a urina do Sr. Samuel Black. Veículo esse que não chegou a arrancar pois o Sr. Black atestara o veículo com a sua própria urina e, como viria a ser diagnosticado dias mais tarde, padecia de uma grave doença renal e as proteínas presentes no combustível alternativo entupiram o filtro, que tinha sido reutilizado de uma velha máquina de diálise.

Se não lhe faltava coragem em vida, também não lhe faltaria coragem na morte. E foi cheio de certezas e a bater no peito cheio de ar, que Bloom escreveu a sua nota de suicídio. Enquanto se dirigia para a loja de ferragens para adquirir um descaroçador de azeitonas, peça essencial na sua máquina de passagem para o outro mundo, escorregou numa pedra de calçada lisa e coberta de geada da madrugada anterior. O autor deste texto teve de recorrer a testemunhas oculares para vos poder relatar o resto da estória, pois a vítima não tem memórias do que se seguiu: os pés de Bloom poisariam de volta no solo só depois dos seus testículos embaterem num pequeno poste de metal, concebido e colocado no passeio para impedir estacionamentos abusivos.

Regressado à consciência no Hospital Central da cidade, Bloom não tinha mudado de ideias nem via a vida com novos olhos, como acontece com tantas vítimas de acidentes. Pelo contrário, agora parecia-lhe mais amarga que as guloseimas do Sr. Schrafft. No entanto, enquanto tinha alta do Hospital e remexia no saco com os seus pertences, ao encontrar o descaroçador de azeitonas, Bloom apercebera-se que a sua coragem tinha também seguido para o contentor de resíduos biológicos e que a próxima vez que a veria seria desfeita em fumo negro da grande chaminé do incenerador.

O suicídio estava posto de parte. Mas não a vontade de morrer.  No dia seguinte, despediu-se do seu cubículo nas Finanças e foi bestialmente decidido até à fábrica de armas, pólvora e afins. Era agora o sujeito em quem era testada a veracidade da designação dos coletes à prova de bala.

Viveu amargurado até aos 102 anos.

Bartolomeu Pessanha